Gostaria de partilhar um pouco da minha experiência missionária onde estou desde 1997: Filipinas. Este país é um arquipélago localizado no sudeste asiático cuja capital, Manila, fica a quatro horas de vôo de Tokyo ou apenas duas horas de vôo de Hong Kong.
A população filipina é de aproximadamente 100 milhões espalhadas por mais ou menos sete mil ilhas. Filipinas se caracteriza por ser, com excessão do Timor Leste, o único país cristão da Ásia, herança de quatrocentos anos de colonização espanhola.
Dado o fato de que o país é na verdade um arquipélago de ilhas, alguém certamente imaginaria o Pe. Everaldo num pequeno barco andando por entre as ilhas tropicais mais distantes dos confins da Ásia tentando catequizar tribos nativas ainda em pouco contato com a civilização. Os que imaginam que meu trabalho missionário seja assim ficarão decepcionados.
Apesar da imaginação ser romântica e bonita, na verdade, desde 1997 até hoje sempre morei na grande Metro-Manila, uma imensa metrópolis com mais de 12 milhões de pessoas a qual eu chamaria de floresta eletrônica. Aqui se encontra de tudo o que existe de mais bonito e avançado no mundo da tecnologia e de novas atrações, desde o mercado informal da pirataria até o luxo dos lamborginis, dos centros comerciais de alto padrão e das telas cinematográficas tridimensionais.
É aqui em Manila que as pessoas vem de todas as ilhas em busca de oportunidade de uma vida vida melhor. A vida no interior é muito dura, sem conforto algum e com poucas esperanças de melhora. Vindo para a cidade, se amontoam nas favelas e, para sobreviver, faz-se o que se pode. É no meio desta realidade de periferia que tenho vivido todos estes anos.
Aqui aprendi muitas coisas. Entre elas, me dei conta de que no mundo de hoje o grande desafio da missão da igreja é evangelizar essa massa de gente dos centros urbanos e das periferias das grandes cidades. Nesta floresta elétrica e virtual, as pessoas se perdem: perdem o senso de direção na vida, se desenraízam da própria cultura, perdem o senso de valores morais e éticos, famílias se desintegram com muita facilidade, a religião perde sentido e Deus é esquecido. É essa massa humana que precisa de missionários. Às vezes, certos católicos aplaudem de alegria porque 3 ou 4 chineses foram convertidos e batizados, mas não enxergam os milhares que abandonam a Igreja a cada ano simplesmente porque a desconhecem. Se conhecessem o Evangelho e o ensinamento da Igreja permaneceriam nela, mas a Igreja às vezes não é capaz de fazer valer o seu papel; perde muito tempo, energia e meios com pormenores e as pessoas, na aridez, vão procurar saciar-se de Boa Nova em outras esquinas. Para mim o desafio missionário não está tanto nas ilhas remotas ou nas florestas montanhosas, mas nesse mar de gente que se perde a cada dia nessas imensas periferias do mundo.
Aprendi também que na verdade eu não tenho missão nenhuma. A missão é de Deus, e Jesus, o missionário do pai, confiou esta missão á Igreja. Nós, os missionários xaverianos apenas estamos a serviço desta igreja missionária. Agora eu entendo que missionário não é somente o indivíduo, mas a comunidade. O testemunho mais autêntico de missão não pode ser dado por uma pessoa isolada, mas pela comunidade. A realidade da missão, do mundo e da Igreja são demasiadamente complexos e a atividade missionária somente é efetiva quando desenvolvida de forma corporativa. Hoje em dia não é mais possível que um missionário, como indivíduo, seja especializado em tudo, mas dentro da comunidade, vários indivíduos podem e devem se especializar em áreas específicas e contribuir para a qualidade da evangelização enquanto grupo.
Desde que aqui cheguei sempre fiz parte de comunidades xaverianas compostas por pessoas vindas de vários países diferentes. E este convívio tem sido o melhor testemunho que estamos dando, com a graça de Deus.
Quando as pessoas locais observam este grupo de pessoas de várias cores, nacionalidades, línguas e culturas vivendo juntas, trabalhando, estudando, rezando e servindo, a mensagem fica dada: é possível ter um mundo mais unido, do jeito que Deus queria desde quando tudo foi criado; do jeito que Jesus queria quando ele tentou reconciliar a humanidade inteira com Deus; do jeito que o nosso fundador S. Guido Maria Conforti queria quando fundou os xaverianos para que ajudassem a transformar o mundo numa única família.
Em 2008 fui transferido para trabalhar como formador na comunidade internacional de teologia. Aprendi mais uma coisa muito valiosa: que o povo filipino em geral é um excelente formador para todos os estrangeiros que aqui vem para estudar e se especializar. Existem traços da cultura e religiosidade do povo que fala e dá testemunho de maneira muito profunda para aqueles que se abrem pare ver, ouvir e sentir. Não quero ser ingênuo e idealizar ou espiritualizar a realidade além do que se deve, mas acredito que seria uma injustiça viver aqui e não perceber e não deixar-se formar por estas características:
a) Alegria de viver. Mesmo em situações de vida muito precárias, este povo não deixa de sorrir; de fazer graça com a própria má sorte, de se encontrar, se divertir, cantar e dançar. Muitas vezes o oceano de problemas e difficuldades que poderiam facilmente levar qualquer um à loucura não impedem os pobres de serem felizes e se alegrar com coisas pequenas e simples.
b) Generosidade. Os pobres são os mais generosos. É no contexto de famílias que sabem que não há o suficiente para todos que os filhos aprendem a pensar no irmão, aprendem a partilhar, aprendem a doar mesmo antes de terem suas necessidades satisfeitas.
c) Persistência. Calamidades naturais vem uma após outra com a mesma regularidade que vem o dia após a noite: inundações, tufões, vulcões e terremotos deixam rastros de destruição devastantes. A reação das vítimas poderia ser de desespero, perda de coragem e força para recomeçar. Ao contrário, mesmo sabendo que as calamidades retornarão, logo após a enchente, vendaval, terremoto, etc., as pessoas começam a reconstruir tudo de novo como se tivessem a certeza que a devastação jamais retornará. Esta capacidade de se reerguer novamente é que me ensina muito.
Quando eu cheguei nas Filipinas, não sabia que iria permanecer aqui por todo este tempo. Hoje, este país, este povo e esta história faz parte de mim e sinto que tudo isso tem moldado e está moldando minha visão de mundo. Hoje, o Brasil e as Filipinas são minhas duas pátrias, meus dois doces lares, minhas duas histórias, minhas línguas, minhas culturas, minhas experiências de Deus que mais e mais se integram dentro de mim formando aquilo que sou.
Estou convencido de que a experiência de entrar na visão de mundo de um outro povo é graça divina que nos dá acesso ao conhecimento de mais um aspecto do rosto de Deus.
Pe. Everaldo dos Santos, sx.