Teologia da Trindade: Deus uno e Trino
A Comunicação Trinitária
Perante a revelação de deus na história como Pai… Filho… Espírito Santo, surgem três questões:
- Essas três formas de encontro de Deus com a história não serão apenas uma “máscara” usada por Deus para assumir diferentes “papeis” ao longo da História?...
- Essas três formas de revelação de Deus não serão apenas três maneiras de o Homem se poder encontrar e relacionar com Deus?
- Ou não será a tríade divina ( ou Trindade ) uma expressão da auto-consciência do Homem e da sua necessidade de se relacionar com Deus?
Pressupostos "cientificos" de uma resposta
No nosso conhecimento de Deus dá-se um pouco do que acontece com o conhecimento científico nos dias de hoje: * toda a verdade que se conhece depende das “ondas” que a própria realidade nos pode revelar à experiência: as “relações” em Deus * toda realidade conhecida e experimentada depende do ângulo de visão do próprio experimentador e só lhe revela um aspecto de cada vez: “complementaridade” a Revelação e a História * só conhecemos e podemos experimentar a realidade na medida em que nos deixamos envolver por ela a fé e a experiência religiosa (JOSEPH RATZINGER, Introdução ao Cristianismo, p. 126-128).
A doutrina cristã que encontra a sua expressão no Deus Uno e Trino significa, no fundo, a renúncia à tentativa de encontrar uma saída e a permanência no mistério que o ser humano não é capaz de alcançar: na realidade, essa profissão de fé é a única renúncia verdadeira à pretensão do saber que torna tão atraentes as soluções simples com a sua falsa modéstia (JOSEPH RATZINGER, Introdução ao Cristianismo, p. 121).
Deus Uno -Trino: Unidade e Multiplicidade
1. Referir a essência de Deus como unidade e trindade significa que a definição da divindade ultrapassa as nossas categorias de unidade e pluralidade como opostos: unidade e multiplicidade na filosofia.
2. Ao mesmo tempo significa que se ultrapassa o “dualismo” tão presente nas culturas antigas: persa, grega, etc. É na de “trindade” e não na dualidade que melhor se entende a “unidade” de Deus.
3. Ultrapassa-se também o conceito de “unidade” que não se confunde com “unicidade”; “a forma máxima da unidade é a que cria o amor”; daqui vem a ideia da Trindade com a verdadeira expressão de Deus: não apenas Trindade económica, mas Trindade imanente.
Deus Uno -Trino: o conceito de pessoa
1. Aplicar a Deus o termo “pessoa” implica dizer e acreditar que Deus é “relação, é “linguagem”, é “diálogo” e é “fecundidade”. O conceito de pessoa em Deus implica falar de trindade de pessoas.
2. A palavra “pessoa” ( “pro+sopon” e “per+sonam” ) significa “um olhar dirigido para…”; é nesta dimensão antropológica que melhor poderemos aplicar o conceito de pessoa ao Pai, ao Filho e ao E. Santo, e não tanto na dimensão de “indivídua substantia” que pode levar-nos a um “tri-teismo”.
3. A “personalidade” das pessoas divinas ultrapassa a maneira humana de ser pessoa; no caso das pessoas humanas não existe uma relação subsistente ao passo que em Deus essa relação existe: Deus Pai nunca foi Deus sem ser Pai… ou Deus Filho sem ser Filho, quer na revelação quer na eternidade.
Deus Uno - Trino: Absoluto e Relativo
1. A ideia de “pessoas” e de “relações” em Deus já é de certa forma atestada na Sagrada Escritura quando nos fala de “um Deus que dialoga consigo mesmo” (Gen 1, 26; Sal 109, 1). Deus não é simplesmente “logos”, mas é “diá+logos”.
2. Os conceitos de “substância” e de “pessoa” exigem-nos que, ao falar de Deus, saibamos estar perante formas de dizer aquilo que é indizível; os conceitos utilizados não são os únicos possíveis, pelo que não nos deveremos apegar demasiado à terminologia usada.
3. Falando de unidade de Deus ao nível da “substância” não se poderia falar de pluralidade ao nível dos acidentes, porque não se tratava disso; foi então que se escolheu o conceito de pessoa enquanto “relação”; o próprio conceito de “substância” em Deus implica ser possuída pelas três pessoas.
A profissão de fé na unicidade de Deus não é menos radical no cristianismo que em qualquer outra religião monoteísta; pelo contrário, é nele, que essa unicidade alcança a sua verdadeira grandeza. A essência da vida cristã consiste, porém, em aceitar e viver a existência como relacionalidade, para entrar, dessa maneira, naquela unidade que é a base que sustenta toda a relacionalidade (JOSEPH RATZINGER, Introdução ao Cristianismo, p. 136).
Deus uno e Trino
1. Mesmo quando o Antigo Testamento nos fala de Deus, não o podemos aplicar apenas ao Pai: * aplica-se ao Deus que Jesus revela como Pai * aplica-se ao Deus que depois sabemos ser Trindade.
2. Quando falamos de Deus não falamos de um Deus-Uno que depois se “transforma” em Deus-Trino; ele é sempre “Uno-Trino”.
3. A unidade divina não significa um Deus “unipessoal”, nem a unidade de uma essência abstracta, nem, muito menos, a unicidade do Pai, mas a unidade do Pai, Filho e Espírito Santo.
O Pai divino é mais que “benevolência”, “fidelidade”, “misericórdia”, quer dizer, é um amor substancial em si mesmo (e não só para com as criaturas) para o qual precisa do Amado, gerado na sua auto-doação; e para demonstração do perfeito desprendimento da unidade dos dois, precisa de um “terceiro”, fruto e testemunho da unidade do amor que gera e que agradece” (H.U. VON BALTHASAR, Theologik III, Der Geist der Wahrheit, p. 404).
II. O Pai de Jesus Cristo
“Jesus compraz-se em mostrar-me o único caminho que conduz a essa fogueira divina. Esse caminho é o abandono da criança que adormece, sem medo, nos braços do pai…” (S. Terezinha de Lisiux -História de uma alma).
Paternidade Divina no Antigo Testamento
1. A ideia da paternidade divina era entendida no AT como uma forma de relação com o Povo: libertação…eleição…
2. É um Deus “com entranhas maternas” (Is 66, 13; Is 49, 15; Sal 27, 10 Jer 31, 15-20; Num 11, 12-13…).
3. Só nos escritos tardios do AT e particularmente na literatura Sapiencial se fala de Deus como Pai do justo (Sab 2, 16).
4. O Deus criador, o Deus da Aliança, o Deus que falou pelos Profetas é o mesmo que Jesus nos apresenta como PAI.
Gostaria de recordar que a Palavra PAI permanece obviamente uma metáfora. Continua a ser verdadeiro que Deus não é homem nem mulher mas precisamente Deus. Trata-se efectivamente de uma imagem que Cristo nos entregou inequivocamente, para que nós recorrêssemos a ela na oração. Uma imagem através da qual nos quer comunicar alguma coisa sobre a visão de Deus. O Deus representado por uma imagem paterna “cria” através da palavra, e por isso, daqui deriva a diferença específica entre criatura e criação (JOSEPH RATZINGER /BENTO XVI, Dio e il Mondo).
O Filho revela o Pai
1. Jesus fala do Deus criador, do Deus da Aliança, do Deus dos Profetas como Seu Pai e invoca-o como tal;
2. Jesus exprime a sua relação com Deus numa dimensão familiar: trata-O com o termo aramaico “Abba” ( Mc 14, 36) que vai ser retomado em Rom 8, 15 e Gal 4, 6; 3. O Pai de Jesus Cristo é o que convida para as bodas (Lc 14, 16), é o que perdoa as dívidas (Mt 18, 23), o que caminha à procura do homem e age discretamente (Mt 13, 31-32); 4. Jesus, fala de Deus como Pai e fala de si mesmo como Filho; particularmente no “Hino de Júbilo” ou “Logion Joanino” (Mt 11, 25-27). O nome “Pai” altera assim o seu valor: não é já um simples atributo genérico que diz respeito à divindade, que exprime a sua bondade ou mesmo a eleição de um povo ou de um indivíduo, mas tornou-se um nome trinitário, um nome que se compreende a partir do Filho e vice-versa. Mais tarde, a teologia explicará que esta comunhão entre o Pai e o Filho se realiza no Espírito Santo. Deus, Pai de todos os homens A oração do Senhor dá-nos ainda uma nova dimensão do Pai: a paternidade divina estende-se a todos os homens…
1. Há uma relação íntima entre o envio do Filho e a filiação divina de todos os homens. Ao ensinar o “Pai Nosso”, Jesus introduz-nos no mesmo tipo de relação que tem com o Pai.
2. No entanto Deus não é “nosso Pai” da mesma forma que o é de Jesus: “vou para meu Pai e vosso Pai” (Jo 20, 17).
3. A comunidade cristã primitiva tem consciência da importância desta relação com Deus, de modo que a “Oração do Senhor” se torna num dos elementos fundamentais da oração cristã.
Esta relação “Pai-Filho” constitui um modelo linguístico que nos permite abrir uma brecha no mistério de Deus. Mesmo levando em consideração o facto de que – como salienta o IV Concílio de Latrão – Deus é muito mais dissemelhante das realidades terrenas do que lhes poderá ser semelhante, nunca poderíamos ter uma ideia, por mais pálida que fosse sobre o mistério de Deus, se esta relação não nos oferecesse um reflexo daquilo que Deus realmente é (JOSEPH RATZINGER / BENTO XVI, Dio e il Mondo).
Ó meu Deus, Trindade a quem adoro ajuda-me a esquecer-me totalmente de mim, para me instalar em ti, imóvel e tranquila, como se a minha alma já estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem me fazer sair de ti, ó meu Imutável, mas que cada minuto me envolva mais nas profundezas do teu mistério. Pacifica a minha alma, faz dela o teu Céu, tua morada de amor e o lugar do teu descanso. Que nela eu nunca te deixe só, mas que esteja ali com todo o meu ser toda desperta na fé, toda adorante totalmente entregue à tua acção criadora (Beata ISABEL DA TRINDADE).
Da Trindade Econômica à Trindade Imanente Será possível conhecer a realidade intima de Deus?
1. Não é possível conhecer Deus Trino por qualquer tipo de conhecimento que não passe pela revelação histórica: é em Jesus Cristo que temos um verdadeiro acesso à “teo-logia”.
2. A teoria agostiniana e medieval dos “vestigia Dei” no mundo criado não nos leva ao conhecimento da Trindade; pelo contrário, mais que um acto de razão, ela pressupõe a existência da fé.
3. A questão das “sementes do Verbo”, ou sementes de verdade que o “Logos” lançou sobre o mundo poderão ter a ver com a Trindade, mas não a dão a conhecer explicitamente.
Textos Bíblicos: Mt 28, 19; 2Cor 13, 13; 1Cor 12, 4-6; Jo 1,18; A Trindade Económica é a Trindade Imanente
1. Deus revela-se tal como Ele é. Caso contrário, não haveria verdade nem na Revelação nem na Salvação: Deus estaria a enganar-nos…
2. Nas actuações “ad extra” operam unitariamente as três pessoas divinas; não faria sentido que actuassem uma independentemente da outra…
3. Só na Incarnação do Filho há uma actuação diferenciada: só o Filho incarna, pela acção do Espírito e segundo a vontade do Pai. E só o Filho poderia incarnar: ele é o Revelador do Pai.
4. Deus revela-se para nossa Salvação tal como Ele é: nesta forma de actuar se mostra algo do seu “ser íntimo”. 5. Na Revelação é Deus que se nos dá a si mesmo e não apenas nos oferece os seus “dons”, por excelentes que eles possam ser.
Com este modo de actuar e de se comunicar a si mesmo, Deus dá-se-nos a conhecer tal qual é. O facto de pensarmos que Ele poderia ter feito as coisas de outro modo é entrar em especulações para as quais a revelação não nos oferece qualquer fundamento. Portanto há uma correspondência entre a Trindade económica e a Trindade imanente; são a mesma coisa, não se distinguem adequadamente (LUIS F. LADARIA, El Diós vivo y verdadero, p. 51).
E vice-versa?
1. Não podemos pretender que Deus seja apenas aquilo que nos revelou: a revelação, com o seu conteúdo, é livre e gratuita; Deus permanece transcendente ao mundo e à História, mesmo da Revelação…
2. A Trindade não se resolve – como em Hegel – na dialéctica entre: * Deus, subjectividade infinita – TESE * a contradição do mesmo: o Deus revelado – ANTÍTESE * a solução da contradição: o Espírito – SINTESE.
3. A identidade entre a Trindade económica e a imanente não se pode explicar em termos de uma realização de Deus através da economia da salvação: Deus não se “realiza” ao revelar-se, não se “dissolve” nos acontecimentos da História, nem muito menos se “esgota” neles.
Será que Deus compromete e revela todo o seu mistério na auto-comunicação que faz de si mesmo?
A identidade entre a Trindade económica e a Trindade imanente deve entender-se no sentido de que, por um lado, Deus se nos dá e se nos revela tal como é em si mesmo, mas fá-lo livremente, quer dizer que o seu ser não se realiza nem se aperfeiçoa nessa auto-comunicação; e, por outro lado, no sentido de que, nesta revelação, Deus se mantém no seu mistério; a sua maior proximidade significa a manifestação mais directa da Sua maior grandeza.
No entanto, mesmo que a economia da salvação não condicione o ser de Deus, não quer dizer que não “afecte” a vida divina ou lhe seja indiferente.
“A Trindade económica aparece realmente como a interpretação da Trindade imanente que apesar de ser princípio fundante da primeira, não pode simplesmente ser identificada com ela. Porque, em tal caso, a Trindade imanente e eterna corre o risco de se reduzir à Trindade económica. Para sermos mais claros: Deus correria o risco de ser absorvido no processo do mundo, e de não poder chegar a si mesmo mais que através do mesmo processo” (HANS URS VON BALTHASAR, Theodramatica III).