Duas grandes intenções da Igreja marcam o início desse ano e a festa da nossa Padroeira. Afirmar a relevância de Maria no projeto salvífico de Deus e o papel do Espírito Santo.
Antes da reforma litúrgica, o primeiro dia do ano era consagrado à circuncisão de Jesus, quando lhe foi dado oficialmente o nome. Jesus significa “Deus salva” ou simplesmente salvador. Paulo VI modifica o calendário litúrgico, colocando nesse primeiro dia do ano a festa de Maria, mãe de Deus. No horizonte, permaneceu o mesmo interesse de acentuar, desde o início do ano, o projeto salvador de Deus.
A festa de Maria, mãe de Deus, concretiza muito bem essa perspectiva. Com efeito, o princípio sem princípio de tudo, criação e salvação, é Deus Pai. Ele o faz em Jesus Cristo. E Jesus é absolutamente indissociável de Maria. Desta sorte, Maria se torna presente ao início dos inícios do projeto do Pai.
Mais: o Filho Jesus realiza tal projeto na história.
De duas maneiras, Maria insere-se profundamente nesse movimento realizador da salvação. Como mãe de Jesus e como discípula fiel. Pela maternidade de Jesus, ela é, sob certo sentido, o início mesmo da vida humana de Jesus, pela qual ele pôde ser nosso salvador. Ao longo de sua vida, Maria jogou o papel de mestra e discípula de Jesus. Ensinou-lhe tantas e tantas coisas do mundo humano. E Jesus, por sua vez, como Mestre divino, encontrou em Maria a criatura que melhor lhe aprendeu as lições. A fiel e verdadeira discípula.
Ao Espírito Santo cabe o papel de coroar a obra da criação e salvação. Se o Pai criou tudo no Filho, o Espírito deu um toque de cor e beleza a essa criação. Se o Pai iniciou a gesta salvadora, se o Filho a tornou realidade histórica, o Espírito Santo a atualiza em cada um de nós. Dá-lhe aquele arremate final de perfeição.
Ora, Maria tem uma relação muito íntima com o Espírito Santo.
Antes de tudo, o Espírito veio sobre ela numa plenitude única, fazendo-a fecunda do próprio Verbo encarnado. Maria é o receptáculo mais perfeito e livre diante do Espírito ao longo de toda a sua vida. Por isso, pôde ser mestra e discípula de Jesus.
Com a glorificação de Jesus, o Espírito foi derramado sobre o mundo e sobre a humanidade. O momento-símbolo real de tal evento foi Pentecostes. Lá estava Maria em oração com os discípulos. Poderíamos pictoricamente imaginar que o Espírito desceu primeiro sobre Maria como uma fornalha ardente e dela se irradiou sobre os discípulos e se irradia até hoje sobre a Igreja. Dessa maneira ela cumpria a função única de estar na conjunção entre o divino e o humano, não como Jesus, Verbo (divino) encarnado (humano), mas como mãe e discípula em plena dependência de Jesus. Mas, uma dependência tão perfeita, numa unidade profunda de amor e fidelidade, a ponto de se tornar “cheia de graça” para si e para nós.
A grandeza de Maria reside, portanto, fundamentalmente na sua relação privilegiada e singular com a Trindade, participando assim do projeto criador e salvador. Como se atribui ao Espírito Santo o lado feminino de Deus, - Espírito em hebraico é feminino -, a liturgia e a teologia, com frequência, guardadas as devidas distâncias entre criatura e Deus, aplicam os mesmos títulos ao Espírito Santo e a Maria.
Destarte, Maria é chamada mãe da Igreja assim como o próprio Espírito Santo.
A Igreja é gerada - obra própria de uma mãe - em Pentecostes pela força do Espírito com a presença de Maria. Aí estão as duas “mães”. S. João fala da necessidade de “nascer da água e do Espírito” (Jo 3,5), como de uma mãe. No diálogo com a samaritana, Jesus alude ao ato de beber da água viva, do Espírito (Jo 4,14). S. Paulo fala que todos bebemos do Espírito ( 1 Cor 12,13). A água é símbolo do Espírito e da maternidade.
Por isso, esse ano dedicado ao Espírito Santo abre-nos espaço maravilhoso para aprofundarmos as relações entre Maria e o Espírito Santo, de um lado, e, de outro, para situarmo-nos como filhos de Maria numa relação cada vez mais profunda com o Espírito Divino.
Pe. João Libânio.