Ver, Buscar, Amar… e a formação do missionário
Uma frase da Carta Testamento que sempre me chamou a atenção é a de “ver a Deus, buscar a Deus e amar a Deus em tudo”. Tem um sabor jesuíta (buscar a Deus em todas as coisas e encontre-o em todas). A frase também apresenta uma gradação que vai do ver ao amar, passando pela busca.
Sempre me perguntei se a ordem das palavras escolhidas por São Guido era correta. Na verdade, sempre me pareceu que a lógica torna a busca em vez de ver: se busca, e então se vê o que se encontra, para logo amar o objeto da nossa busca. Por isso, sempre considerei esta lista de verbos como uma sucessão escrita de uma só vez, sem ordem cronológica, com o único propósito de indicar as etapas da descoberta de Deus, dando a possibilidade de reordená-las à vontade.
Ultimamente, porém, pareço entender que essa sucessão não é acidental. Talvez haja uma razão convincente para fazer a visão preceder a busca e ambos precederem o amor. A razão pode estar no fato de que São Guido considera o encontro com Deus como um acontecimento não procurado, mas totalmente recebido como um dom gratuito e incondicional. Tomemos o exemplo de São Paulo, que encontra Cristo no caminho a Damasco, um acontecimento que ocorre sem a intenção prévia de cruzar com Aquele que se tornaria objeto de seu amor ao longo de sua vida.
O encontro é seguido pelo desejo de não abandonar esta experiência de luz, alegria e comunhão. Paulo fará todo o possível para preservá-lo. Paulo parece quase querer ficar cego pela luz que o transformou (Col 3,1-2; 2Cor 4,18; Heb 12,2...). Esta busca de comunhão com Cristo não é uma realidade estática, mas um caminho de aprofundamento, de conhecimento sempre novo, de amor, de luz cada vez mais intensa. Em São Paulo, portanto, segue-se o caminho que com precisão indicou São Guido: ver, buscar, amar.
Trabalhando na formação dos futuros missionários xaverianos, muitas vezes me pergunto se esse encontro transformador, esse “ver”, aconteceu na preparação xaveriana para a missão. Às vezes tenho a sensação de que este “ver” não é assim definido: o jovem quer ser missionário, quer ser sacerdote, mas não consegue verbalizar um momento da sua vida em que foi tocado pelo amor de Deus de forma transformadora, como aconteceu com Paulo ou com muitos enfermos que foram curados por Jesus no Evangelho. Os apóstolos se lembram desse evento de tal forma que podem registrar com precisão o tempo (Jo 1,39), enquanto que Paulo o relata repetidamente nos Atos e em suas cartas como o momento de fundante de sua vida e missão.
Pergunto-me se é possível ser missionário sem este “ver”, sem ter uma memória clara deste encontro com Cristo e sem ter percebido o seu poder transformador. Provavelmente, se "ver" diminuir, "buscar" irá predominar. Porém, este último corre o risco de ser reduzido a um caminho não guiado por Deus, para que a busca se baseie em critérios humanos: quero ser missionário, quero ser sacerdote, quero ajudar os outros, quero para ir nessa missão, quero resolver minha situação existencial, quero... quer dizer, desejo algo que vem de mim, talvez não é puramente de Deus.
Enfim, seguindo as indicações de São Guido, a formação do missionário xaveriano não se constrói tanto na ideia de forjar o indivíduo segundo um modelo de futuro: isto é, procuro fazer o indivíduo crescer de tal maneira que é adequado a um modelo missionário que eu idealizo e que vai acontecer no final da formação.
Em vez disso, a formação seria baseada na memória, em permanecer à luz do momento da conversão, o momento que se tem "visto". Para isso, a formação deve ajudar o indivíduo a obter todas as ferramentas espirituais para nunca mais sair daquela experiência de comunhão com Deus que viveu. A formação, portanto, não seria motivada tanto pela "esperança" (futura adaptação a um modelo), mas por fazer "memória" de um acontecimento concreto já ocorrido e que é peculiar e constitutivo de cada indivíduo.
Como em São Paulo, a missão segue as linhas de comunicação de um evento e não tanto a transmissão de uma visão de Deus e do mundo aprendido. E se a situação exige também a comunicação de conceitos abstratos e uma visão do homem, de Deus e do mundo, isso é inevitavelmente vivido pelas lentes interpretativas dessa experiência fundadora. A missão é uma boa notícia, é o testemunho de um encontro que realmente aconteceu na alma do missionário, na esperança de que esse encontro possa acontecer também na alma da pessoa que é interlocutor. Parafraseando, a missão é “experita aliis tradere”, como João relata na sua primeira carta: “...o que vimos e ouvimos é o que lhes anunciamos...” (1Jo 1,3). Obrigado São Guido, também por esta lista de verbos que trazem a base do nosso ir e anunciar.
Matteo Rebecchi, SX