Lentamente, sem dor, sem quaisquer sinais particulares, o câncer entra no corpo. Você não percebe seu caminho perverso e a certa altura ele se esconde em algum canto e aos poucos suas células se expandem, atravessando silenciosamente tecidos internos secretos sem causar nenhum desconforto. Tendo atingido seu objetivo, destrói perversamente as células saudáveis que encontram cada vez menos espaço e naquele cantinho secreto do corpo as células malignas se multiplicam e se expandem cada vez mais.
Finalmente, depois de um tempo desconhecido da presença daquele mal silencioso, surge um sinal, um pequeno sinal e então o silêncio torna-se total, invade toda a pessoa. A pessoa fica petrificada, fica perturbada e toda a sua vida, em uma fração de minuto, muda para sempre.
A primeira emoção é a rejeição daquele mal que agora entrou no corpo: “Não. Não épossível, não é ele." Queremos negar a realidade, essa realidade que agora não admite dúvidas. O silêncio cai na alma, um silêncio que ocupa todo o espaço interior.
Começam as idas e vindas do hospital para todo tipo de exames clínicos, consultas médicas e tudo mais. Tudo acontece em um silêncio interior mortal. Até o pensamento para e a oração se torna apenas um olhar para Aquele que nos precedeu com a cruz sobre os ombros, apenas um olhar porque as emoções, os sentimentos e as palavras congelam imediatamente.
Na pré-hospitalização você encontra muitas pessoas, todas com o mesmo ponto de interrogação na testa, imersas em seus próprios pensamentos, olhando para o nada e com um silêncio ensurdecedor no coração. É uma experiência terrível, mas ainda não é o ápice da dor da alma.
Quando chegou a minha vez de ser internada para a cirurgia, só tive forças para confiar minha vida a Deus e pedir a Maria, a Mãe, que pegasse a minha mão e ficasse na sala de cirurgia por todas as longas horas da cirurgia.
No difícil despertar em que se sente toda a fragilidade e insegurança, a dor da alma atinge o seu auge porque nem Deus mais fala e o seu silêncio é lancinante.
É o maior sofrimento, a dor mais profunda, a solidão mais pungente. Tudo está em silêncio. O grande filósofo Sêneca tinha razão quando escreveu: “Pequena é a dor que fala. Ogrande está calado”. É isso!
Nesses momentos pensei em todos os sofredores, talvez desesperados, e estive perto deles compartilhando a mesma dor.
Orei pelo mundo inteiro. Todos estavam presentes para mim e todos se sentiam próximos de mim.
Só Deus estava sempre longe. Eu não podia aceitar sua distância. Sempre me senti próximo e agora por que, no momento mais difícil ele se afastou? Por que ele me deixou completamente sozinha? Assim, tomei em minhas mãos todas as minhas débeis forças e ousei dirigir-me a Ele com o mesmo grito de Jesus na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?"
Eu pensei que rezando com as palavras do próprio Filho ela poderia ter pena, mas nada, ainda silêncio. É a experiência, a prova mais dolorosa da fé em Deus: "Onde estás, Senhor? Eu não posso mais te ouvir. Onde está você? Você realmente existe? Eu acreditei em vão até agora?” Um sentimento de desespero tentou entrar na alma, se não fosse, apesar de tudo, o poder da oração para detê-lo. Uma oração sem palavras, mas agarrada apenas à experiência: "Desde criança acredito em ti, nunca duvidei da tua presença nem por um instante. Bem, mesmo que você não se faça ouvir, eu ainda quero acreditar que você existe que você é meu Deus e meu Pai”. Mas o silêncio de Deus permaneceu e o desespero aumentou. E então a fé, aquela fé tão frágil, tornou-se uma luta, um desafio: “Quer você exista ou não, não me importa : continuo acreditando, continuo acreditando, continuo acreditando e confiando em Ti…” E esse refrão martelava dentro de mim continuamente: era um grito silencioso e penetrante. Eu não podia desistir, não podia deixar ir, não tinha mais nada para me segurar.
Há momentos na vida em que a fé é realmente posta à prova e por muito tempo, por um tempo em que o fim não está à vista, porque até as terapias, como a quimioterapia, trazem consequências dolorosas, parecem sanguessugas que sugam até a menor força do corpo, mas acima de tudo tornam a alma insensível, como se ela tivesse se tornado de madeira como os membros do corpo. Só com aquela fé débil construída desde jovem e com confiança é que me atrevi a lutar e a "exigir" a sua Presença. Foi aquele grão de fé, crescido e cultivado ao longo da minha vida, mas ainda muito pequeno, que me permitiu ter forças para lembrar a Deus que não poderia me abandonar porque um verdadeiro pai nunca abandona seus filhos. Confiei-me a Ele apesar da aridez interior. O teste foi longo e difícil, mas o Amor e a Confiança, mesmo que por pouco, são sempre maiores do que o próprio teste.
O câncer! Sim, a medicina tem feito grandes avanços em pesquisas e terapias para a cura. E é grande o mérito de quem consumiu a vida para erradicar esta doença que destrói não só o corpo, mas também a alma.
S. Fernanda Verzè