“Temos gravada no coração uma compreensão fundamental do Bem” (Santo Agostinho).
A ética alicerçada na verdade e na justiça respeita a natureza da nossa humanidade e incentiva o constante exercício da consciência em todas as escolhas e as avaliações de nossa existência, vocação e missão. Uma pessoa de comportamento ético é uma pessoa de consciência; é uma pessoa cuja coerência de vida jamais se reduz a comprar compatibilidades, bem estar, sucesso, reputação pública e aprovações utilizando as bajulações das opiniões dominantes ao preço da renúncia à verdade, à dignidade e à ética. A consciência não é simplesmente a afirmação absoluta e prazerosa do livre arbítrio ou a expressão de uma vontade fincada na teimosia, na obstinação ou no capricho heroico.
A consciência é sempre uma ciência em comum com o bem, com a fraternidade e com a justiça; e não existe consciência reta e correta fora de tais valores. Eles constituem princípios norteadores indispensáveis na construção de uma existência mais livre e mais humana e, também, de um mundo mais fraterno, mais ético e mais solidário. Por tudo isso, tanto o conceito de consciência quanto o de liberdade precisam sempre ser os dos conceitos de justiça, de fraternidade e de bem. A liberdade caminha com a verdade; e quando esquece a justiça e a solidariedade, não somente lhe falta a ética como também lhe carece a verdadeira liberdade.
Um conceito de liberdade, interpretado e vivenciado de modo egoísta, utilitarista e superficial sempre prejudica a todos e é fadado à autodestruição. Nenhum ser humano, em nome de sua liberdade, tem o direito de pretender viver para si próprio, exclusivamente para o seu egocentrismo ou de usar de violência contra os outros: a liberdade é indivisível e tem sempre de ser vista como um valor e uma riqueza para a humanidade inteira, na consciência consigo mesmo, na convivência e na fraternidade com os irmãos e irmãs.
“Na sociedade liberal do futuro não existirão mais valores ou medidas absolutas porque o bem estar será o único objetivo pelo qual vale a pena se esforçar” (escreveu o filósofo estadunidense Richard Rorty)
Uma ética da justiça defende e promove a fraternidade e a verdade em todos os níveis da convivência humana e nos leva, também, a cultivarmos a nossa capacidade de construir sociabilidade e a corresponsabilidade social: somos ‘animais políticos’ e somos fazedores e construtores da democracia e do bem comum enquanto sujeitos e participantes e protagonistas na ‘res publica’.
A tarefa do Estado poderia ser definida como a ordenação da convivência humana, ou seja, como a organismo que dá vida a um processo e a um dinamismo de equilíbrio e de harmonia entre bem estar pessoal, familiar, social e o bem comum. Recordo dois textos bíblicos que se complementam e que nos ajudam na reflexão: Romanos 13 e Apocalipse 13. Por um lado, a Carta aos Romanos nos apresenta um conceito de Estado íntegro (um Estado que permanece correto dentro dos próprios limites). O apóstolo Paulo enxerga o Estado como depositário de uma ordem que faz com que os seres humanos expressem em harmonia, tanto a própria individualidade quanto a própria sociabilidade. A esse conceito de Estado é correto obedecermos: sabemos por experiência que a obediência à justiça não vai contra a nossa liberdade porque é sua condição. Por sua vez, o ‘enigmático’ Apocalipse nos apresenta um conceito de Estado que decide e determina (a partir de si mesmo e além dos próprios limites) aquilo que deve ser visto como bem, como verdade. A esse conceito de Estado não é correto obedecermos: sabemos por experiência que qualquer idolatria no conceito de Estado nega a própria essência de organizar a convivência humana; e, quando o Estado se considera deus, destrói os seres humanos.
“Nenhum ser humano pode negar a própria parcela de responsabilidade em um assunto do qual depende a existência da humanidade” (escreveu o físico nuclear Andrei Sakharov).
Dentro de nós está inserido algo como uma faísca e uma memória original do Bem, da Verdade e da Justiça: há uma intima tendência do ser humano, criado a imagem divina, a caminhar em direção àquilo que é conveniente a Deus. E mesmo que alguns pensamentos como o de Friedrich Nietzsche (“Irmãos, permanecei fiéis à terra”) e como o de Bertold Brecht (“Deixemos o céu para os pardais”) considerem o fato de pensarmos no céu como algo de prejudicial, alienante, inútil e perda de tempo, sabemos que aqui na terra não temos uma pátria definitiva.
Somos peregrinos a caminho de outra Cidade – a Cidade definitiva no Céu –: e isso não é alienação, aliás, é pressuposto a uma vida e a uma história repletas da verdadeira Liberdade, do Bem e da justiça. É por causa disso também que a Igreja não pode ser Estado, nem o Estado pode ser o deus da Igreja.
Andrei Sakharov de novo para concluir: “Uma ética da justiça alicerçada na liberdade e na fraternidade é chamada a alimentar a vitalidade urgente da voz da nossa consciência, a renovar a exigência cotidiana da ação da nossa corresponsabilidade social e a orientar a força transformadora da nossa esperança”.
Gabriel Guarnieri, sx