O sofrimento à luz da cruz de Cristo
Estamos vivendo a crueldade da pandemia do covid-19, que ceifou mais de 300 mil vidas no Brasil. Realidade que nos ajuda a refletir a cruz de Cristo a partir do sofrimento e dos crucificados, usando como pano de fundo o profeta Isaias. Diante do sofrimento, da morte causada pela pandemia, como pregar a cruz de Jesus num mundo de crucificados?
O sofrimento é uma experiência universal. Não o podemos evitar, faz parte da existência humana. Todo ser humano no percurso da vida, passa por inúmeras situações de sofrimento, às vezes mais intenso outras menos. Há diversas formas e intensidades de aflição na vida. Mas, qual é a origem e o sentido do sofrimento? Como evitá-lo? Existem várias respostas, mas todas são incapazes de nos deixar satisfeitos. Nosso sofrimento, como cristãos só tem sentido diante da morte e da cruz de Jesus Cristo. A morte faz parte do sofrimento, a cruz é parte da vida, estão enraizados na história. Somo seres finitos.
Em tempos de pandemia, o mundo contabiliza quase três milhões de mortes, no Brasil mais de 300 mil vidas ceifadas e milhões de infectados. A cruz limita a vida, faz sofrer e dificulta andar, é imposta. Na Semana Santa acompanhamos "o Filho de Deus crucificado", mas também devemos acompanhar o "povo crucificado". Isto é, o sofrimento humano em tempo de pandemia.
O documento de Puebla ao falar do povo crucificado, descreve os rostos sofridos na América Latina, que nos levam a reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor que nos questiona e interpela (Cf. Puebla 32-39). Por sua vez, o documento de Aparecida fala do “encontro com Jesus Cristo através dos pobres é uma dimensão constitutiva de nossa fé em Jesus Cristo. Da contemplação do rosto sofredor de Cristo neles” (DAp 257).
Ao fazer o paralelo entre a Cruz de Jesus, o sofrimento do Servo Sofredor (Is 53) e o povo crucificado, diante da pandemia, nos reparamos que a realidade atual é a continuação histórica do Servo Sofredor, do povo desfigurado pela doença do covid, que continuam trazendo tanto sofrimento e arrebatando muitas vidas. Como Cristãos somos chamados sermos solidários diante do sofrimento humano, contribuindo com a saúde, favorecendo a resiliência, a serenidade, apresentando parâmetros éticos, estimulando a vacina, a esperança e um olhar que transcenda a realidade.
O profeta Isaias apresenta o Servo Sofredor como homem de dores, habituado ao sofrimento (Is 53,3), essa também é a condição do povo crucificado diante da doença: precariedade no atendimento medico, doença, superlotação dos hospitais, morte, descaso das autoridades... não sendo mais considerados como pessoas, diante do aumento das vítimas são apenas números, causando espanto, (Is. 52,14; 53,2). O Servo Sofredor sofre as consequências de uma estrutura injusta de morte, onde se vive e se morre esmagado pelo pouco caso das autoridades incompetentes (Is. 53, 4-12).
Não há salvação apenas pelo fato do sofrimento e da cruz; não é no sofrimento que está a salvação, isto seria absurdo! É necessário ressuscitar. Só um povo que vive porque tem ressuscitado da morte que se lhe tem imposto, é que pode salvar o mundo. Assim como Jesus crucificado ressuscitou, o povo crucificado, diante da pandemia deve ressuscitar. A ressurreição de Jesus é a esperança da ressurreição e de futuro para os crucificados, que estão ainda na sexta-feira santa e lutam para ressuscitar e terem vida em abundância (cf. Jo 10,10).
A ressurreição de Jesus torna-se afirmação da vida e rejeição de todo estado de morte e sofrimento diante do covid. É a supremacia da vida sobre a morte. O Ressuscitado aparece aos Apóstolos com uma corporeidade, tem fome, desejo de partilha e justiça. A ressurreição é afirmação à vida corpórea dos pobres, dos doentes, dos sem-direitos, sobre todo tipo de morte e de opressão, manifestando ao Deus da Vida.
Rafael Lopez Villasenor, sx