Introdução
Até recentemente, a missão ocidental estava fundada sobre a Igreja e remontava ao Concílio de Trento que recordava que o Evangelho era portador de uma verdade e de uma moral, sublinhando que o Evangelho é dado na Igreja: Evangelium in Ecclesia (o Evangelho está na Igreja).
O que sempre pareceu mais claro desde 1940 é que o Evangelho não depende da Igreja. A Igreja depende do Evangelho, o Evangelho está ligado a Cristo e ao Espírito, enquanto a Igreja, que deve viver desta realidade, ela é serva do Evangelho. Essa perspectiva revolucionou tudo e por meio dela, devemos olhar para hoje.
Os Institutos Missionários às vezes se assustam e perguntam: "mas onde é o nosso lugar?".
Comecemos por dizer que esta mudança radical, que colocou a missão na base de toda a Igreja, comprometendo toda a Igreja a proclamar e viver a missão, é a vitória dos movimentos missionários dos anos 30-40-50. São eles, e não as igrejas e bispos. Foram os movimentos missionários que trouxeram à luz esta esplêndida capacidade de uma Igreja servidora do Evangelho. Não é um problema dos movimentos missionários o fato que as igrejas hoje dizem: “a missão é algo que nos preocupa”.
Há também um segundo fator. Devemos considerar que nesta perspectiva a missão requer profunda atenção. M. Amaladoss diz em sua obra que existem três formas de ler o Evangelho:
- A trazida por Jesus: Jesus falou da vinda do Reino.
- A das primeiras comunidades cristãs que o escreveram e é fruto do contato com o mundo grego e latino.
- Aquela trazida pelos missionários, o Evangelho da Europa de 1500.
Devemos começar a proclamar o Evangelho do Reino de Deus, como Cristo fez. Isso implica uma conversão ao Evangelho que é surpreendente.
Não existe cultura cristã. Há um Evangelho que luta com uma cultura multiforme e nesta cultura reside tanto o Evangelho adaptado aos povos individuais, como o Evangelho que é unidade para todos. Como pode haver unidade? Como multiformidade?
O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, cita muitas vezes os documentos das Igrejas locais, especialmente a latino-americana. Ele cita apenas uma vez um documento europeu. Estamos diante de uma mudança que não deveria nos assustar. A missão gera a Igreja em sua totalidade, porque a Igreja deve ser totalmente missionária. Isto é o que os missionários sempre disseram.
Se toda a Igreja se torna missionária, qual é o papel dos Institutos Missionários? Há espiritualidade e há mosteiros que vivem da espiritualidade, cada um de acordo com suas características e de acordo com os lugares. Com isso, contribuirão para a unidade de todo o mundo eclesial. Os problemas da Europa não são os do Terceiro Mundo.
Grace Davie, uma socióloga inglesa, fez declarações precisas em dois livros. Ela diz que a Igreja hoje está ligada a uma crença sem pertença, believing without belonging; é a Igreja que desaparece no Ocidente. O Ocidente é algo diferente. Não é o Ocidente que traz o Evangelho. É o Evangelho que deve refazer a fé do Ocidente e um caminho de todas as Igrejas com suas peculiaridades.
1. Ação missionaria (EG 21-24)
Nesses números está a mais bela explicação. O Papa Francisco diz que a ação missionária começa com a ALEGRIA do Evangelho. EG 1 (segunda metade) diz que o documento indica novos caminhos para a Igreja nos próximos anos, com uma característica particular: a ALEGRIA. A ALEGRIA do Evangelho é uma expressão de Paulo VI, que encontramos na EN 80. Aquele Papa de rosto triste fala da ALEGRIA do Evangelho. O Papa Francisco retoma isso no início de seu documento.
A Palavra (EG 22)
A Palavra tem sua própria liberdade não apreensível e é eficaz à sua maneira e de formas muito diferentes, como para escapar às nossas previsões e aos esquemas dos teólogos. A Palavra responde à alegria, ao entusiasmo, à coragem, à beleza do anúncio do que é o Evangelho.
O Evangelho tem o primeiro passo na alegria, mas depois é a Palavra: a Palavra de Deus surpreende, não responde aos esquemas. É uma liberdade indescritível, não pode ser dominada... diz Francisco, depende da espiritualidade, da sabedoria e da lógica do amor.
A intimidade itinerante (EG 23)
Essa intimidade que temos com Jesus na Palavra implica uma intimidade itinerante. Não se sabe como o Papa Francisco juntou essas duas palavras, porque a "intimidade" não viaja, está no coração de uma pessoa, em seu modo de ser e pensar; a "itinerância", por outro lado, sempre coloca a pessoa em viagem.
É algo excepcional e extraordinário.
Primerear-começar (EG 24-26)
Trata-se de sair, de ir: o hospital de campo. Segundo Francisco, a Palavra de Deus que entra em contato com a cultura é a ação missionária.
2. Os sujeitos: quem realiza esta ação missionária?
São sobretudo os jovens, as famílias, o mundo da vida religiosa... O povo de Deus é o sujeito. O povo è maior que os bispos, os teólogos... O tema do povo de Deus é um tema muito caro aos teólogos argentinos: Lucio Gera e Juan Carlos Scannone são os pensadores de quem o Papa se inspira e que pertencem à sua história e que agora estão mortos. A concepção do pueblo de Dios está ligada às pessoas muito simples, em seus momentos mais ordinários e profundos.
Há referências ao povo de Deus totalmente missionário de EG 111 a 134. O tema particular da piedade popular (122-126). O povo em sua simplicidade tem uma sabedoria que não se encontra com frequência nos teólogos.
Quando o Papa Francisco enfrenta a Praça de São Pedro pela primeira vez, ele repete pelo menos quatro ou cinco vezes "eu e o povo". Ele vê as pessoas como portadoras de uma espiritualidade.
O povo de Deus comunica a força do Evangelho e inclui sacerdotes, catequistas, teólogos… cada um com sua contribuição.
- O povo se evangeliza constantemente: se não fosse assim, como levar o Evangelho aos outros?
- O povo é guiado pelo Espírito e então devemos aprender a ouvir a nós mesmos: não são os bispos que nos dizem para onde ir, devemos ouvir a nós mesmos para entender a direção a seguir.
3. O método (EG 217-237)
A ação missionária tem um método preciso que devemos fazer nosso.
O tempo é maior que o espaço (EG 222-225)
Quando estamos ligados a um espaço, estamos ligados a uma obra, ao que fazemos, a uma paróquia, a um grupo...
Quando estamos presos ao tempo, estamos presos a um passado, a um presente e a um futuro... a uma esperança, a viver para encontrar a plenitude da própria fé.
O tempo prevalece sobre o espaço porque nos pede para caminhar, avançar, ir além… e é algo extraordinário.
O tempo inclui os jovens, os que estão a todo vapor, os idosos e a esperança passa a todos, mas em particular aos pequenos, aos jovens e aos idosos.
A unidade prevalece sobre o conflito (EG 226-230)
A realidade em que vivemos é em grande parte conflituosa. Somos portadores de uma visão superior, de uma fraternidade que Francisco gosta de chamar de "amizade social" (Cf Fratelli tutti).
A fraternidade é o início de uma paz, de um encontro, de um caminho juntos, de um vínculo. A fraternidade vale mais que o conflito.
O conflito entre culturas deve ser substituído pela capacidade de caminhar junto com a própria identidade diferente. A Igreja caminha rumo um futuro de Igrejas multiformes.
A realidade é mais importante que a ideia (EG 231-233)
Nem todos concordamos com isso, porque a ideia é a ciência, o conceito, a reflexão, para levá-la a um nível cada vez mais alto. Mas a realidade é a concretude. A realidade É, a ideia, pelo contrário, precisa ser elaborada. O que não afeta a realidade não vale nada.
Certamente a realidade é iluminada pelo raciocínio, mas a realidade tem sua própria profundidade e sua concretude que leva a enfrentar a vida e seus problemas.
O todo é maior que a parte (EG 234-237)
Se a realidade te faz andar com os pés no chão, "tudo" se abre para a capacidade de segurar diferentes aspectos na mão; não há apenas a soma, há também a parte. O todo é superior, mas cada um tem que dar o seu pedaço para ter um todo.
Conclusão
Esse povo de muitas faces afeta a realidade humana, que é religião, sociedade, trabalho... Querendo mudar as coisas, a fé não pode deixar de se medir com o compromisso social. O Magistério de Francisco mostra isso:
- O cuidado da casa comum (LS)
- A Fraternidade (FT)
- O valor da santidade do povo de Deus (GeE)
- A tarefa dos jovens (CV)
- O papel da família (AL)
Assim temos a ideia de um Evangelho que se coloca diante da realidade e busca criar um mundo que se inspire nele.
Nenhum de nós tem a receita, mas todos sabem que Deus está trabalhando e que a obra de Deus também nos diz respeito. De uma forma ou de outra, todos somos chamados a viver a nossa vocação.
A missão não morre, porque todos a reivindicam, mas cada um a vive segundo o dom recebido.
Os Institutos são enviados para aqueles que são difíceis de abordar, os distantes… que estão em todo o mundo.
Diante dessas mudanças, chega o momento em que cada um simplesmente se coloca diante de Deus e o escuta e começa a se mover naturalmente. Não é possível estabelecer uma única forma de todos viverem a missão. Há fragilidades: a doutrina sem espaço para o mistério do amor de Deus (gnose atual) e uma realidade que se concentra na vontade, sem humildade (pelagianismo atual).
Tudo isso nos faz entender o cansaço da missão e cada um deve colocar seu esforço e empenho nela.
Os Institutos Missionários devem ter a coragem de abrir-se finalmente à missão na Europa. Certamente não é fácil para quem vem de fora, de outro continente, porque é outro mundo.
Aos missionários é dada a tarefa de ser um intermediário entre a cultura e o Evangelho. Os missionários não anunciam a cultura do Evangelho, mas a maneira do povo, de onde eles vêm, de anunciar o Evangelho. É por isso que o estudo da língua é importante.
Nesta perspectiva percebemos que não há cultura cristã, mas muitas culturas e todas elas sedentas do Evangelho.
Pe. Gianni Colzani
Parma - 15 de setembro de 2021