Lavar os pés: estar disposto a servir
Não meio da celebração pascal, na última que o Senhor celebrava com seus discípulos, o provocador gesto de Jesus, de levantar-se, vestir um avental e começar a lavar os pés de seus discípulos, questiona e fundamenta a vocação cristã e, principalmente, a vocação de quem aceitou assumir o ministério sacerdotal em uma comunidade.
Lavar os pés é uma atitude que confronta a pessoa do sacerdote e desfaz o conceito sacerdotal como poder e prestígio, para recuperá-la como serviço e continuidade do exemplo de Jesus, na comunidade. Num contexto teológico mais amplo, o gesto do lava-pés é símbolo da atitude pastoral do sacerdote numa sociedade que vive um acentuado processo de desinteresse pela religião e de indiferença para com Deus.
Assumir a atitude pastoral do lava-pés é abandonar as pretensões de chamar atenção sobre si mesmo para dar prioridade à pessoa do outro. Na prática, e de modo bem concreto, o padre deixa de ser uma referência religiosa na sociedade para ser a própria presença de Jesus, identificando-se a ele pelo serviço.
A atitude sacerdotal, de “vestir o avental” para estar a serviço da vida, torna-se, naturalmente, motivadora de novos relacionamentos na comunidade e em toda sociedade, simplesmente porque o padre assume a identidade de Cristo servidor, com a mesma disposição do Mestre: “estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27).
Pedro reagiu diante dessa proposta identificadora e colocou impedimento para participar do lava-pés. Queria ser lavado por completo, entendendo que assim participaria de modo pleno. Jesus corrige a intenção de Pedro e confirma que sua participação no mistério — “terás parte comigo” — acontece identificando-se a ele no serviço e pelo servir. Estar disponível a servir é o mais expressivo gesto de fidelidade a Cristo e de fidelidade ao ministério sacerdotal.
O gesto do lava-pés é atemporal. Todos os dias e em todos os tempos existiram e existem pés cansados convocando o sacerdote a vestir seu avental para servir. São pés de pessoas sem vida ou com a vida em frangalhos que precisam voltar a viver; pés de pais e de mães cambaleantes e sem rumo que precisam ser encorajados e fortalecidos. Tantos pés de jovens que, apesar da pouca idade, se perderam em becos sem saída; pés de crianças que não pulam e nem brincam porque a vida lhes tirou até mesmo a possibilidade e a necessidade de fantasiar...
Quantas forem as realidades, tantas vezes será preciso sair da mesa, vestir o avental e, depois, voltar a celebrar: “depois de ter lavado os pés de seus discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo”. O ministério sacerdotal, caracterizado pelo serviço, não permite ao sacerdote que se acomode em algum tipo de mesa, porque sempre haverá um chamado para vestir o avental e se dispor a servir.