A vocação cristã reforça e explicita a vocação que temos como criaturas. Desde que o Filho de Deus veio neste mundo, a nossa vocação como homens e mulheres ficou enriquecida e mais definida, graças à sua palavra e ação. “Certo dia, Jesus voltou-se para os discípulos, e lhes disse em particular: Felizes os olhos que vêem o que vocês vêem. Pois eu digo a vocês que muitos profetas quiseram ver o que vocês estão vendo, e não puderam ver” (Lc 10,23-24).
Paulo de Tarso escreveu que o mistério escondido em Deus e que era o anseio dos povos antigos, foi revelado a nós em Cristo. E acrescenta: “Eu me tornei ministro da Igreja, quando Deus me confiou este encargo junto a vocês: anunciar a realização da Palavra de Deus, o mistério escondido desde o co-meço dos tempos e gerações, e que agora é revelado aos cristãos. (Cl 1,25-26)
A vocação à missão pelo Reino
O próprio Jesus nos convida a ver o laço que há entre vocação, missão e vida cristã. Para começar, Jesus está mais preocupado em cumprir e propor uma missão do que fundar uma religião. Ele é um jovem leigo, da periferia, que fica trabalhando na cidadezinha de Nazaré, como um jovem qualquer, até os trinta anos. Foi quando deixou seu trabalho de carpinteiro e se despediu da mãe. Os seus compatrícios se admiraram por ele despertar para a missão de pregador (e curador), que o rebaixava da classe média dos artesãos para a classe baixa dos andarilhos sem-teto.
Quanto à natureza da missão de Jesus, os evangelistas iniciam suas redações dizendo que Jesus ia para toda a Galileia anunciando: “O Reino do Deus está próximo. Convertam-se e acreditem nesta Boa Notícia” (Mt 4,17; Mc 1,14s; Lc 4,43; Jo 3,5). Em suma, Jesus aos trinta anos empreendeu uma missão que visava estabelecer o Reino de Deus, querendo ganhar para isso a adesão das pessoas. Podemos ver com a imaginação o jovem pregador indo para todas as vilas, povoados, praças, sinagogas..., repetindo: “Vocês têm muitas más notícias. Mas meu Pai do Céu me enviou para lhes dar umas boas notícias, aliás, esta que é “a” Boa-Notícia (evangelho, eu-anguellion, em língua grega): que agora o Reino de Deus está próximo; está no meio de vocês; vocês podem entrar nele. Se desconfiam, achando que a vinda do Reino é um milagre impossível, bom demais, se convertam e passem a acreditar nesta Boa Noticia; se não for pelas minhas palavras, acreditem pelas curas que eu opero”.
Como evangelizador, Cristo anuncia em primeiro lugar um reino, o reino de Deus, de tal maneira importante que, em comparação com ele, tudo o mais passa a ser "o resto", que é "dado por acréscimo". Só o reino, por conseguinte, é absoluto, e faz com que se torne relativo tudo o mais que não se identifica com ele. Narrador como ele era, Jesus falou do Reino em parábolas, para tirar a imagem engessada, que seus compatrícios tinham, de Reino de Deus como grandeza, poder econômico e militar. Mas no termo “Reino de Deus” se encerravam todas as coisas mais bonitas: uma fascinação. De fato, Reino de Deus é o mundo como Deus o sonhou e o quer: uma cidade-jardim onde todos encontram vida, fraternidade, dignidade.
Falando em Reino de Deus aos romanos que lhe pediam, Paulo de Tarso disse que o Reino de Deus é “justiça, paz e alegria no Espírito” (Rm 14,17). É para cumprir esta missão de estabelecer o Reino, de acordo com a vontade do Pai, que Jesus enfrentará a morte de cruz. E será premiado pelo Pai com a ressurreição pela sua fidelidade à missão.
Ser cristão é se deixar atrair e apaixonar por este jovem homem-Deus, e aceitar seu convite. Com efeito, ele convidou e reuniu colaboradores para o Reino: 12 apóstolos, 72 discípulos, um grupo de mulheres e outros simpatizantes. No momento da despedida deste mundo, ele manifestou a vontade que todos se tornassem seu colaboradores, todos discípulos-missionários, se imergindo na água batismal do seu ideal evangélico. Ser cristão não quer dizer ter poltrona reservada no paraíso, mas dar sentido e salvação à sua própria vida, fazendo da missão de Jesus Cristo a nossa missão, encontrando nisso alegria e realização.
E a missão está vinculada - repito - com o projeto do Reino, que é uma proposta de ruptura com todo sistema, lógica, prática e mentalidade de dominação e poder; una proposta dialética de assunção e transformação do mundo. Daqui entendemos a relevância histórica da missão.
Tão importante e grande é a missão, que deve ser feita em mutirão, em comunidade. De fato, para dar continuidade à missão dele, Jesus não deixou apenas os padres: ele deixou as comunidades (coordenadas pelos sucessores dos apóstolos, bispos e padres). E nas comunidades cada um descobre seu ministério, seu carisma, de acordo com sua vocação, ciente que na Igreja-comunidade não há “soldados rasos”, fieis passivos: todo cristão é chamado a um trabalho específico. São Paulo não cansa de nos lembrar que somos um “corpo de muitos membros e funções, que tem Cristo como cabeça”. (Cf. Rm 12,15; Cor 12,12-14; Ef 1,23; 3,6; 4,16; 5,23; Cl 1,18; 2,19).
Corpo de Cristo é a comunidade-Igreja
A imagem do corpo não é o único ícone de comunidade-igreja: os outros são a árvore (a videira), o povo, a grei... Eles têm a característica de ser “coletivos”. Mas a imagem do corpo é aquela que melhor nos fala de unidade na diversidade e de diversidade na unidade. Paulo de Tarso tem os capítulos 12-14 da Carta aos Coríntios que são um livrinho interessante sobre o assunto (2 Cor 12).
Sugestiva a imagem de nós como corpo, e corpo de Cristo (bem diferente de “galera”)! Paulo não se prende a uma listagem “careta”, como seria a de colocar em paralelo os membros e as funções-vocações: quem seriam as mãos na comunidade-Igreja? Quem os pés? Os olhos? Exaltante é nos sentirmos parte deste corpo do Senhor Jesus, e procurarmos a “sugestão” certa para nós. Tereza de Lisieux descobriu ter a vocação de ser o coração no corpo da Igreja! Paulo, porém, não renuncia a elencar possíveis ministérios e carismas, priorizando os primeiros, aliás, priorizando a vocação ao amor!
A Igreja (a comunidade) é o corpo de Cristo, e Cristo do corpo é a cabeça (ICor 12,28-31). A Igreja é a continuação de Cristo na missão de realizar o Reino. Na Igreja impera o “nós” e não o “eu”. A mística da missão me pede de colocar o meu centro fora de mim, em Cristo, isso é, em Deus e no próximo (mesmo assim eu não me alieno de mim mesmo, pois Cristo é o meu eu mais profundo e verdadeiro). Ninguém vive só para si, mas para ser útil aos outros, como Cristo que não veio para ser servido e sim para servir. Seja você rico ou pobre, não tem pior desgraça na sua vida do que ser inútil, não servir para nada e para ninguém.
Se no passado, em se falando de vocação, logo se pensava em padres e irmãs, hoje a teologia pastoral nos ensina que a vocação cristã é transversal e interessa os três “estados de vida”: matrimônio, vida consagrada, sacerdócio. É vocação a do pai e da mãe cristãos: em viver o amor (Deus é amor!), criar os filhos e contribuir na construção de uma sociedade que seja sinal do Reino de Deus. É vocação a da irmã consagrada que vê a si mesma naquela frase de Jesus: “Há pessoas que não casam a motivo do Reino do Céu” (Mt 19,12). É vocação a do sacerdote que coordena a comunidade e faz de ponte com ela entre o mundo e Deus.
Pe Arnado De Vidi.