Mês da Bíblia: Carta aos Efésios, nova vida em Cristo
O mês da Bíblia em 2023, nos convida a aprofundar a carta aos Efésios com o lema: “Vestir-se da nova humanidade” (Ef 4,24). A carta ajuda a refletir sobre a natureza da Igreja ao tratar da temática da unidade do Corpo de Cristo, que se fundamenta em sua ação salvífica, a qual reconciliou a humanidade com Deus.
A carta aos Efésios apresenta Paulo como autor (Ef 1,1; 3,1), a partir dessa informação, a carta deveria ter sido escrita nos anos 54-56, em um contexto de perseguições e conflitos. Porém ao fazer comparação com outras cartas paulinas, é considera como uma carta deuteropaulina, isto é, posterior a Paulo, talvez seja de autoria dos discípulos do Apóstolo. Portanto, a carta não sendo da autoria de Paulo, que morreu no ano 68 d.C., é provável que foi escrita entre os anos 80 e 90. Ao ver a semelhança entre a carta aos Efésios e Colossenses, existe a teoria que sejam escritos da mesma época; inclusive, se deduz pela afinidade e por mencionarem a um personagem chamado Tíquico (Ef 6,21; Cl 4,7).
Segundo estudos recentes, enfatizamos que Pulo não escreveu a carta aos Efésios. Na época atribuir um escrito alguém importante, era comum para lhe dar autoridade. Talvez, o autor pode ser um grupo de discípulos do Apóstolo, escrita 20 anos após sua morte. Paulo escrevia as comunidades para responder a problemas concretos, porém na carta não aparece nenhuma dificuldade na comunidade, se dirige aos destinatários para os convencer a tomar a decisão em favor de Cristo. Trata-se de uma carta-circular que reflete a realidade eclesial das comunidades do fim do primeiro século, no contexto de exploração e dominação do império romano. Assemelha-se mais a um discurso ou sermão do que a uma carta propriamente, com várias exortações éticas para a vida cristã, seria uma “carta aberta” ou um texto circular nas comunidades vizinhas de Éfeso.
Éfeso era uma das grandes cidades, com uns 600 mil habitantes, era a segunda cidade do império romano, cidade portuária muito rica, com grande fluxo comercial e capital da província romana da Ásia. Tinha um templo de Ártemis, a deusa da fertilidade e da vida. Paulo escolheu a cidade como base para o seu trabalho missionário, permanecendo três anos, fundando mais de uma comunidade na região da Ásia Menor (At 19, 24). Os habitantes da região tinham muitas crenças, prática mágicas e idolatria (At 19, 17-20). Na cidade havia um grupo de pessoas que diziam ser cristãs, mas não tinham recebido o batismo, pensavam que João Batista fosse o messias (At 19,1-7). Havia judeus que não aceitavam Paulo (At 19,8-9).
Paulo esteve três vezes em Éfeso. A primeira vez, só de passagem, no fim da primeira viagem missionária. Ele percebeu a importância estratégica da cidade (At 18,19-21). Durante a terceira viagem, fundou a comunidade e ficou durante três anos (54-57), junto com uma equipe de missionários (At 19, 8; 19,19). Depois apareceu mais uma vez (1Tm 1,3). Éfeso era para Paulo, uma porta missionária para difundir o Evangelho (1Cor 16,9), por causa da facilidade de acesso a muitos outros centros urbanos. A comunidade tinha problemas e tensões (At 20,29-31). Apesar disso, o autor da carta parece não conhecer pessoalmente os destinatários.
Chamada “carta do cativeiro” junto com as cartas aos Filipenses, Colossenses e Filemon, fazem referência à cárcere do apóstolo nos anos 61 e 63 (Ef 3,1; 4,1; 6,19-20). Também, Lucas conta que Paulo esteve preso em Jerusalém e apelou para o Cesar como cidadão romano (At 21, 17-28, 31). A carta é muito parecida com a dos Colossenses e parece ser uma retomada desta. Inclusive, fazendo uma comparação entre a carta aos Efésios e as cartas protopaulinas como Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon, se percebe a existência de grandes diferenças de vocabulário, teologia e orientação pastoral. A carta sublinha que as pessoas são responsáveis pelos próprios atos, em especial os cristãos, porque “a quem mais é dado, mais é exigido”.
A carta foi escrita no contexto de opressão do Império Romano, que dominava o mundo conhecido na época. Domiciano (81-96 d.C.) exigiu ser chamado de “Senhor e Filho de Deus”. As relações na época eram controladas pelo sistema de patronato ou clientelismo, pela “troca” de favores, criando uma verdadeira teia de influência, poder e opressão (Ef 5, 21-6,9). A cultura do helenismo foi assumida pelo império romano. A cultura grega era marcada pela busca desenfreada de bens, prazer e honra, que provocava a libertinagem ética e social, causando ignorância, insensibilidade, paixão enganadora, mentira, injustiça, difamação, roubo, conflito, violência (Ef 4,17-5,30). O poder do Império era legitimado pela religião oficial: culto ao imperador e à deusa Roma que estabelecerem na terra a paz e a salvação: a Pax Romana. (Ef 1,1-23; 3,1-13).
Nas comunidades cristãs da segunda geração, a maioria era de não judeus que vinham do helenismo, com a cultura greco-romana, marcado pelas religiões de mistério, magia, astrologia (Ef 2,1-3; 6,10-20). A realidade cotidiana era hostil para as primeiras comunidades cristãs, inclusive, os judeus cristãos tinham sido expulsos da sinagoga (cf. Jo 9) por seguir a Jesus Cristo e praticar o amor ao próximo (Ef 3,14-22).
A carta pode ser dividida em duas partes, com uma introdução e uma conclusão. A primeira parte é doutrinal, eclesiológica e cristológica, apresentando o projeto salvador de Deus, realizado em seu Filho Jesus Cristo (Ef 1,3-3,21), com vários hinos litúrgicos (Ef 1, 3-14;1, 20-23; 2, 14-18), doxologias (Ef 3, 20-22), orações (Ef 1,15-19; 3,14-19). A segunda parte é marcada pelas exortações sobre a ética com a finalidade de viver e dinamizar a vida cristã (Ef 4,1-6,20), com um código de deveres sociais e domésticos (Ef 5,21-6,9). Enfim a mensagem central da carta apresenta que, em Cristo todos somos iguais em dignidade e receptores das riquezas de sua graça.
Rafael Lopez Villasenor, sx