NAS PEGADAS DO SÍNODO PARA A AMAZÔNIA: SONHOS A SEREM REALIZADOS
Como diziam os teólogos latino-americanos, falar de Deus, fazer teologia, é um "segundo momento". O primeiro é a experiência fundamental da revelação do Deus da Vida. Só a realidade pode nos fornecer essa experiência fundante que gera a maneira como vemos a realidade. E hoje, para mim, depois de um ano da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-amazônica (Roma, 6 - 27 de outubro de 2019), é extremamente complicado falar sobre o caminho pós-sinodal a partir do escritório, sentado na frente a um computador, tentando assumir a realidade "imposta" pela pandemia do coronavírus.
É difícil falar do Sínodo na sua complexidade e no seu caminho concreto, pois muito do que pode ser feito depois do momento celebrativo do Sínodo, foi reduzido a informações virtuais, acompanhamento à distância, através de reuniões em grupos on-line. Enquanto isso, a realidade, muitas vezes cruel e violenta, segue seu curso. As mesmas pessoas e grupos financeiros, que durante décadas adotaram a vida "do rico e do Lazaro", continuam aproveitando a situação pandêmica para realizar sua ganância e acumular riquezas sem se preocupar com o amor ao próximo, as gerações futuras ou ao cuidado da Casa Comum.
Há um ano, saímos do Sínodo com muitos "sonhos" e alguns se tornaram realidade. O grupo pós-sinodal foi formado por vários integrantes. Eles levan adiante os "sonhos" que emanam das conclusões. Cada um na realidade em que se encontra, faz o que pode para planejar o que será possível fazer. Alguns se encontram nas grandes cidades, enfrentando os desafios já mencionados, no Documento Final do Sínodo para a Amazônia. Outros acompanham grupos específicos, como povos indígenas, comunidades tradicionais, direitos humanos, grupos com uma identidade particular; outros divulgam e desenvolvem estratégias de defesa do meio ambiente e dos seus habitantes, etc.
Este grupo já começou a se organizar e articular as forças que atuam na Pan-Amazonía, ou seja, a Amazônia dos nove países que o compõem. Eles se articularam em Rede; um jeito de comunicar e compartilhar as lutas e a busca de soluções para problemas comuns e também problemas próprios de cada contexto. Tudo isso quer ser uma resposta aos clamores que vieram da Amazônia: o clamor do "outro", do "diverso" e o clamor da "terra, da água, da floresta e de seus seres vivos". Nos próximos dias, a recém-criada Conferência Eclesial da Amazônia terá sua primeira Assembleia Geral.
No nosso grupo Regional Norte II, formado pelos estados do Pará e Amapá, estamos nos organizando, pelo menos remotamente, compartilhando o trabalho de conscientização, que alguns estão fazendo por meio de "lives". Outros atendem diretamente a migrantes da Venezuela; outros estão na assistência às famílias das periferias; outros na defesa da mulher e contra o tráfico de pessoas; outros com populações indígenas, etc. Ainda há muito que organizar, articular e construir. Porém, o desmatamento, as queimadas, as privatizações, o desrespeito aos direitos continua. Esperamos não chegar demasiado atrassados e sermos capazes de agir, antes de entrarmos em um ponto de inflexão, onde não há outro jeito a não ser recuar.
Um dos "problemas" que foram apresentados no Sínodo, foi o da compreensão pastoral e da concordância pastoral. Refiro-me ao primeiro tema do Sínodo: “Novos caminhos para a Igreja”. Aí o desafio é ainda maior, porque se trata de entrar nas visões da realidade; é a realidade o que condiciona nossa visão. O mundo é diferente visto a partir dos pobres, dos vulneráveis na história, do mundo indígena, a vê-lo a partir do mundo do conforto e da nossa segurança. Cada lugar em que me encontro me revela Deus de uma maneira diferente. Pois bem, no Documento Final do Sínodo fica clara a dificuldade de compreender e aceitar a pluralidade da realidade universal. Certamente o Concílio de Jerusalém (Atos 15) foi mais ousado. Parece-me que esta é uma das partes essenciais sobre a qual a Igreja deve refletir e continuar a agir. Mario Menin o descreve muito bem: “Não se trata apenas de amar bem as culturas, criando gramáticas, vocabulários e catecismos na língua local, para estabelecer uma comunicação unilateral entre o missionário e o destinatário da evangelização; mas para conhecer a beleza e santidade das culturas; isto é, 'as riquezas que Deus em sua magnanimidade doada aos povos'. Não faltam os missionários que são compositores destes instrumentos de comunicação, mas é muito menor o número daqueles que realmente se comprometem no trabalho de discernimento, da presença de Deus e do seu Espírito nas culturas ”(M. Menin, Missione , Cittadella, Assisi 2016, pp. 38-39). Quando descobrirmos isso, perceberemos que não existe apenas uma história e um conceito de verdade, ou de beleza, ou de organização do mundo. Mas, a riqueza dos dons de Deus é muito mais impressionante do que imaginamos.
Para quem vive nesses solos, a pluralidade é uma realidade evidente. Por exemplo: só no estado do Pará existem 39 povos indígenas (sem contar os povos livres que se refugiaram voluntariamente na selva). Cada povo tem sua própria história, seus próprios ritos, sua própria organização social, etc.; imagine os mais de trezentos povos da Pan-Amazonía. E por menores que sejam esses povos, não podemos deixar de considerá-los como verdadeiros sujeitos de interlucução. Na sua missão, a Igreja não trata mais os outros como meros destinatários da evangelização, mas como interlocutores do diálogo e sujeitos da vida em comum.
Para concluir, creio que, para nós missionários, a melhor lição da Assembleia Especial do Sínodo para a Pan-Amazônia é manter-nos sempre em atitude de saída de nós mesmos e do lugar em que estamos, para encontrar o outro, o diverso, e depois de amá-lo e compreendê-lo, chegar a ver com seu olhar, como ele olha para o Pai; ao Pai que Jesus veio nos revelar e nos mandou proclamar com a força do seu Espírito Santo; Espírito que nos faz entrar em comunhão com a Trindade numa resposta de fé, na vida e no amor de Deus, que nos faz parte de sua família.
Pedro Saul Ruíz sx