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Artigos religiosos

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Teologia

As parábolas da misericórdia no Evangelho de Lucas


O Pai Misericordioso (Lc 15,1-32)

O capítulo 15 é o coração do evangelho de Lucas. Situado no meio da viagem de Jesus a Jerusalém, revela o ser de Deus manifestado nas palavras e ações de Jesus.

Revela também quem são os autênticos filhos de Deus: os que aderem a Jesus, sem manias de superioridade e sem preconceitos em relação aos outros.O que provocou as parábolas do capitulo 15 de Lucas? Uma informação importante vem dos vv. 1-2: cobradores de impostos e pecadores se aproximam de Jesus. Os fariseus e os doutores da Lei contestam essa solidariedade manifestada no ato de acolhê-los e de ter em comum com eles inclusive as refeições, correndo o risco de contaminação e má fama. De fato, os rabinos fariseus ensinavam esta norma: “Não se faça acompanhar de um ímpio, nem que seja para levá-lo ao estudo da Lei”.

Os fariseus faziam nítida distinção de puro e impuro sobretudo à mesa. De fato, não havendo talheres, todos enfiavam a mão na mesma panela. Como almoçar e jantar com os impuros sem se contaminar e sem se tornar com isso “inimigo de Deus”? Outra informação pode ser deduzida da prática pastoral de Lucas, acompanhando Paulo em meio aos pagãos. Algumas pessoas de origem judaica, longe de se alegrar com a adesão dos pagãos, procuram infernizar a vida dos evangelizadores.

Por meio dessas duas informações já podemos identificar as personagens das parábolas da ovelha perdida (vv. 4-7), da moeda de prata extraviada (vv. 8-10) e do pai misericordioso (vv. 11-32): o pastor que procura a ovelha perdida, a mulher que varre a casa para encontrar a moeda, e o pai do “filho pródigo” é o próprio Deus, que manifesta seu amor na prática de Jesus.

A ovelha perdida, a moeda extraviada e o filho mais jovem são os pecadores, a riqueza de Deus.

Ele os procura incansavelmente. Sem eles, Deus se sente vazio. O filho mais velho é Israel, os que se julgam “irrepreensíveis” (título mais ambicionado pelos fariseus) por praticar os mandamentos. Entre eles, na primeira fila, estão os fariseus (= separados) e os doutores da Lei (especializados nos detalhes da Lei e na sua aplicação).  Alguém notou, nas três parábolas, uma porcentagem importante: na primeira, Deus procura a ovelha perdida, que representa somente 1% do rebanho; na segunda, a moeda reencontrada representa 10% daquilo que a mulher tem; na parábola do pai misericordioso, o filho que regressa é 50% dos filhos desse senhor. Mais ainda, tem-se a impressão de que o filho perdido fosse tudo o que esse pai possuía.

Vamos dividir a “parábola do filho pródigo” em quatro cenas:

a. O pai e o filho mais novo (v. 12): Imparcialidade A cena é muito breve. Num gesto ousado, contrariando as regras do jogo, o filho mais novo pede sua parte na herança. A divisão da herança era feita normalmente após a morte do pai. Faltando este, o primogênito assumia a gestão dos bens, cabendo-lhe dupla porção. Aqui o pai não reage e consente, dando a entender que para ele todos os filhos são iguais e têm os mesmos direitos. Bem que o pai poderia ter dito ao filho mais novo: “Por acaso eu morri para que a herança seja dividida? Você está me matando, filho!”

b. O filho mais novo (vv. 13-19): Irresponsabilidade Longe da companhia do pai, a vida do filho se torna extremamente ambígua. Está pagando o preço de sua irresponsabilidade, achando que ser livre é não conhecer limites. Estranho em terra estranha, passa a viver a condição de servo: deixa de ser filho para ser escravo. Sua condição é extremamente humilhante, pois cuida de porcos (animais impuros por excelência para os judeus) e quer disputar com eles um bocado de comida (v. 16). A comida dada aos porcos era, provavelmente o fruto adocicado de algumas azinheiras. O filho chega ao fundo do poço, fazendo “mesa comum” com o que há de mais impuro. O fundo do poço é também um momento luminoso de tomada de consciência. A miséria extrema o fez amadurecer. A irresponsabilidade o reeducou. E planeja a possibilidade de retorno: seu discurso de apresentação constará de três partes: reconhecimento do pecado; reconhecimento da perda da filiação; pedido para ser admitido como servo (vv. 18-19).

c. O pai e o filho mais novo (vv. 20-24): Filiação reconquistada Tem-se a impressão de que o pai jamais desistira da idéia de que o filho não voltasse. Misteriosamente, todo pai sabe que cedo ou tarde os filhos voltam. E por isso o pai perscrutava o horizonte. Vendo-o ainda longe, encheu-se de compaixão. Este verbo (splagchnizomai, em grego) é, nos evangelhos, atribuído sempre a Jesus. Somente o bom samaritano (Lc 10,33) é capaz de tal ação (por isso pode-se dizer que é uma ação divina). É a compaixão de Deus para com o sofrimento e humilhação humanos (cf. Mt 9,36; 14,14; 15,32; 18,27; 20,34; Mc 1,41; 6,34; 8,2; 9,22; Lc 7,13). A ação do pai visa restabelecer plenamente o filho perdido. Seu primeiro gesto é não deixar que o filho repita o discurso do reencontro, e sobretudo evita que faça o pedido de ser tratado como servo.

Para ele, filho é sempre filho. Imediatamente os servos são chamados para vestir o filho, devolvendo-lhe a dignidade e tornando-o hóspede importante. Ordena que lhe ponham o anel, conferindo-lhe plenos poderes, e que o façam calçar sandálias, sinal da liberdade adquirida. Por fim, manda matar o boi de engorda, pois a data era extremamente importante: ele havia recuperado o seu filho. Trata-se de verdadeira ressurreição. Por duas vezes o filho dissera: “Vou-me levantar” (em grego, anastás, vv. 18.20, termo que faz referência à ressurreição, anástasis), e o pai, por duas vezes, o considera morto (vv. 24.32).

d. O pai e o filho mais velho (vv. 25-32): Convite à reconciliação O filho mais velho estivera, até agora, fora de cena. Tinha-se a impressão de que fosse bonzinho, verdadeiro ideal de filho. Mas suas declarações o condenam. Seu erro fundamental é não querer se reconciliar, não aderir ao projeto do pai (v. 28). E nas palavras que dirige ao pai dá a conhecer quem ele é: “Há tantos anos que te sirvo” (v. 29). Em outras palavras, não pauta sua vida no relacionamento pai-filho, mas no de patrão-servo; até agora ele se comportou como um dos empregados do v. 22. É ainda mais radical em relação ao irmão mais novo: calunia-o de ter devorado os bens do pai com prostitutas (v. 30; cf. v. 13) e não admite chamá-lo de irmão.

Limita-se a dizer “esse teu filho” (v. 30). O pai tenta suscitar a reconciliação: “Meu filho… esse teu irmão estava morto e voltou a viver” (vv. 31-32). O verdadeiro pai quer autênticos filhos, e essa autenticidade requer a reconciliação, custe o que custar. A parábola não diz se o filho mais velho aceitou se reconciliar para “entrar em casa”, ou se preferiu “ficar fora da festa”.

A resposta cabe a cada um de nós, e só poderá ser dada mediante a prática em favor dos empobrecidos e marginalizados.  misericc3b3rdia

Jesus rosto misericordioso do Pai (Lc 19,1-10)

O episódio de Zaqueu (Lc 19,1-10), coroa o processo de caminhada para Jerusalém. Antes de entrar em Jerusalém, ponto alto da viagem de Jesus, temos o encontro deste com um caso impossível e “sem salvação”: Zaqueu, o pecador irremediavelmente perdido. Será?

Tudo acontece em Jericó, última etapa da longa jornada de Jesus que se dirige a Jerusalém. Lucas o situa atravessando a cidade. Entrar na cidade e atravessá-la ou percorrê-la parece sem importância, mas não é. Faz pensar em Jonas que percorre Nínive (Jn 3,4) e faz pensar nos mensageiros que entram em Sodoma (Gn 19,1-3). Em ambos os casos, brota o tema da acolhida ou hospitalidade.

E também no caso de Zaqueu, pois as pessoas começam a reclamar contra Jesus por ir hospedar-se na casa de um pecador. Fazem isso com muita inveja de Zaqueu, pois, segundo o padrão delas, ele seria o último na lista dos possíveis anfitriões de Jesus. Sabe-se que, para o povo da Bíblia, a hospitalidade é sagrada. Ló que o diga (Gn 19). Faz-me recordar certas pessoas que, acolhendo visitas na própria casa, não receiam dormir no chão para que os hóspedes possam ter uma cama onde deitar e recuperar as energias. As pessoas simples são capazes disso.

Lucas desloca o foco de atenção. Falou de Jesus, mas tem pressa de falar de Zaqueu. É apresentado como chefe dos cobradores de impostos e homem muito rico. Zaqueu tem muita coisa em comum com Mateus, mas tem algo mais. Ele é chefe e é muito rico, o que não devia ser o caso do outro. Sabe-se que os romanos exigiam pontual e exatamente os impostos cobrados. Mas terceirizavam a coleta, encarregando disso os cobradores judeus. Estes, por sua vez, tinham seus chefes, que também não recebiam coisa alguma do Estado. Tinham de se virar.

E Zaqueu, pelo que tudo indica, devia ser bastante inescrupuloso em extorquir de seus comandados, pois se diz que era muito rico. Como chegou a essa situação de marajá? Extorquindo de seus comandados que, por sua vez, extorquiam, com ajuda da polícia, o povo. O povo tinha uma única saída: pagar pra não apanhar e vingar-se dos mateus e zaqueus com o ódio. Sobre sua riqueza pesava, pois, uma hipoteca social. Aliás, essa é a tônica de Lucas quando fala de ricos (é o evangelho que mais toca esse assunto), e Mt 19,23 diz que dificilmente um rico entra no Reino. Sua riqueza gera auto-suficiência de um lado (o rico se considera Deus) e miséria e profanação do nome divino de outro (o pobre explorado tem de roubar).

Vale a pena, nesse sentido, escutar Pr 30,7-9: “Eu te peço duas coisas, ó Deus. Não me negues isto antes de eu morrer: Afasta de mim a falsidade e a mentira. Não me dês riqueza nem pobreza. Concede-me apenas o meu pedaço de pão, para que, saciado, eu não te renegue, dizendo: ‘Quem é Javé?’ Ou então, reduzido à miséria, chegue a roubar e profanar o nome do meu Deus”.

Zaqueu sabe disso, tanto é que, depois, dá a metade de seus bens aos pobres e devolve quadruplicado o que roubou. A riqueza deve ter-lhe subido à cabeça, colocando-se no lugar de Deus; e deve ter provocado os pobres a roubar pra viver, profanando assim o nome de Deus que mandava não roubar. Zaqueu carrega, pois a idolatria da riqueza e a desgraça dos miseráveis que extorquiu.

Zaqueu certamente não conhecia Jesus, pois desejava ver “quem era”, e subiu na figueira “para ver”. A desculpa de ser baixo não é suficiente. Certamente ouvira falar de Jesus, e as palavras despertaram o desejo de ver. Jesus provavelmente conhecia Zaqueu, pois o vê trepado na árvore e o chama pelo nome. Há um recíproco interesse entre os dois, marcado pelo ver. O interesse faz Zaqueu se misturar ao povo e correr à frente, como se adivinhasse por onde Jesus iria passar; e faz Jesus passar exatamente por aí, erguer os olhos para aquele que está trepado na árvore e chamá-lo.

Talvez Zaqueu se contentasse em ver Jesus. Este se deixa ver, o vê e não se contenta. Quer mais e mais profundo.

É misterioso esse olhar de Jesus que vê além do que os mortais vêem. E podemos perguntar: O que Jesus viu nesse baixinho corrupto e explorador, objeto do ódio de todo o povo? Não havia por acaso pessoas mais “dignas” em Jericó para hospedá-lo? Por que decidiu hospedar-se justamente na casa desse crápula, sabendo-o colaborador da dominação, fonte primeira de corrupção e de exploração?

Zaqueu era, de alguma forma, o ponto de arranque da corrupção, da impunidade e da exploração. Jesus já havia dito: “Ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação!” (Lc 6,24). Por quê? O pior de tudo é que Jesus decide se hospedar na casa de Zaqueu. Não vai pra tomar um cafezinho e sair por uns minutos do sufoco da multidão. Quer se hospedar. E isso significa comer e dormir sob o teto desse “bandido de colarinho branco”. O povo tem de voltar pra suas casas. Jesus quer intimidade com esse homem. E tem pressa: “desce depressa”. E Zaqueu “desceu apressadamente”. Três vezes no evangelho de Lucas fala-se dessa situação de pressa. Maria tem pressa de chegar à casa de Isabel (1,39). Entende-se. Os pastores vão depressa a Belém ver o recém-nascido (2,16). Também entende-se. Mas que Jesus tenha pressa de entrar na casa desse corrupto e que ele desça depressa para acolhê-lo parece no mínimo inusitado…

O que Jesus viu de extraordinário nesse homem? Provavelmente nada.

Simplesmente viu um homem corrupto misturando-se com o povo que o odiava como o pior pecador. Parece que Jesus leu esse gesto em profundidade, como ponto de partida para a mudança. Se fosse em nossos dias e em tempo de eleições, todos nós pensaríamos como o povo pensou de Zaqueu. Jesus viu aí uma ponta de novidade e a possibilidade real de mudança de vida. E por isso decidiu hospedar-se na casa de Zaqueu.

A mudança foi radical e a salvação aconteceu. Notemos os passos dados por Zaqueu. 50% de seus bens já não lhe pertencem. São dos pobres. No evangelho de Lucas, Zaqueu é o único que faz o que João Batista pediu como preparação para acolher ou “hospedar” o Messias: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa” (Lc 3,11).

Notemos o detalhe: dar uma túnica, neste caso, é desfazer-se de 50%. Exatamente o que faz Zaqueu. Os pobres podem se considerar felizes, pois Zaqueu aprendeu a partilhar. Zaqueu aderiu ao sistema igualitário e de partilha das pequenas aldeias. E isso na importante cidade de Jericó, no fim da longa jornada de Jesus. Mas não pára aí. Libertado 50% de sua ganância, decide ressarcir os que explorou e extorquiu mediante roubo. De fato, sua riqueza provinha daí. O que faz? Liberta-se dos outros 50% devolvendo quatro vezes o que roubou. A lei dos judeus previa a restituição do quádruplo apenas num caso (Ex 21,37). Zaqueu torna essa exceção norma para ressarcir os que roubou.

Podemos, pois, fazer as contas e perguntar como Zaqueu ficou depois de tudo isso. Certamente ficou livre de toda a riqueza que o aprisionava e tornou-se rico do Reino de Deus. Senão em tudo, agora parece-se muito com Jesus que disse, no começo de sua jornada rumo a Jerusalém: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9,58).

É o “hoje” de Zaqueu. A palavra “hoje”, dita aqui, recorda o programa de Jesus segundo Lucas (4,18-19). A síntese desse programa é anunciar a Boa Notícia aos pobres. Terminada a proclamação de seu programa, Jesus diz: “Hoje se cumpre essa passagem da Escritura…”, e esse “hoje” repercute no evangelho até o “hoje” de Zaqueu. Jesus ainda não entrou na casa de Zaqueu. Agora pode entrar, e nele e com ele entra a salvação, pois esse homem não é mais um perdido por causa da riqueza, mas um filho de Abraão. Esse detalhe inquieta. Não era filho de Abraão também antes, quando rico? Parece que não, pois uma das características salientes de Abraão, pai do povo de Deus, era a partilha sem olhar para si (Gn 13) e a preocupação pela vida dos outros (Gn 18).

nuvem098

A misericórdia transforma pecadores em discípulos(Mt 9,9-13)

O texto de Mateus 9, 9-13 apresenta que a misericórdia transforma as pessoas. O episódio divide-se em duas cenas: o chamado de Mateus, no v. 9, e a refeição com cobradores de impostos e pecadores, nos vv. 10-13.

a) Chamado de Mateus: de pecador a discípulo (v. 9) Jesus está em Cafarnaum (cf. 8,5; 9,1). A cena do chamado de Mateus é típica das narrativas de chamado. A primeira ação parte sempre de Jesus, que passa e “vê” Mateus em seu trabalho, sentado à mesa dos impostos. A iniciativa do chamado também é de Jesus, com o convite rápido e sem explicações: “Siga-me!”. A resposta de quem é chamado também deve ser rápida, sem hesitação: “Ele se levantou e seguiu a Jesus”. Em Cafarnaum encontrava-se provavelmente uma coletoria de impostos na estrada comercial e militar que levava a Damasco.

Os coletores de impostos, no tempo de Jesus, eram os encarregados de recolher as taxas impostas por Roma e enviá-las ao tetrarca. Não bastasse o abuso das próprias taxas, o sistema para recolher os impostos permitia facilmente abusos por parte dos coletores, que se por um lado se beneficiavam com transações ilegais e enganando o povo, por outro tornavam-se sempre mais odiados pelos judeus. Eram considerados formalmente pecadores, malditos, não observantes da Lei, pessoas a evitar a todo custo, pois, além de agirem ilicitamente em benefício próprio, ainda colaboravam com o domínio dos romanos sobre a terra de Israel.

Não sabemos se Mateus era encarregado direto da coleta de impostos ou um subencarregado. Fato é que, trabalhando na mesa dos impostos, Mateus encontrava-se na mesma situação dos que os judeus baniam como pecadores e malditos. Depois de ter chamado os quatro discípulos, que estavam trabalhando na pesca (4,18-22), Jesus mais uma vez chega ao ser humano em sua situação concreta de trabalho, e aqui chama a segui-lo uma pessoa que a sociedade considerava maldita.

A resposta de Mateus, rápida como o chamado de Jesus, pressupõe o abandono do trabalho e da condição de vida anterior.

Os pescadores de peixes foram chamados a ser pescadores de homens; Mateus, analogamente, não mais trabalhará em vista dos próprios benefícios ou em favor do domínio romano, e sim por Jesus e por seu reinado, que é o reinado de Deus que contempla toda a humanidade. A resposta imediata de Mateus é a única resposta possível para quem quer seguir Jesus. Jesus já conhece os que chama. O que permanece é o desafio da fé: deixar o trabalho e toda a condição de vida anterior para seguir Jesus no cumprimento da justiça do Pai.

b) Refeição com coletores de impostos e pecadores: a misericórdia transforma pecadores em discípulos (vv. 10-13) A cena da refeição de Jesus e seus discípulos com coletores e pecadores mostra a familiaridade de Jesus para com essas pessoas excluídas pela sociedade. Para um judeu, no tomar refeição com alguém estavam implicadas a partilha e a comunhão. Sobretudo para os fariseus, piedosos observantes da tradição, não era permitido comer com coletores e pecadores, os quais, aliás, por serem impuros segundo as leis de pureza e santidade, contaminariam e deixariam impuros e no pecado todos os que com eles mantivessem contato. Daí o motivo da pergunta dos fariseus aos discípulos no v. 11. Comendo com coletores e pecadores, Jesus os acolhe e perdoa, rejeitando a atitude dos fariseus que, com uma concepção religiosa baseada em méritos pessoais (concepção segundo a qual só é puro e justo diante de Deus quem observa os preceitos religiosos da tradição judaica), estavam hipócrita e arrogantemente fechados à novidade da missão de Jesus. O modo como os fariseus se dirigem a Jesus, aliás, é já um indicativo de que não compreendem sua missão e estão fechados numa religiosidade estéril. No evangelho de Mateus, somente as pessoas que não reconhecem Jesus como “Senhor” é que o chamam de “Mestre” (cf. 12,38; 17,24; 19,16; 22,16.24.36).

A resposta de Jesus, contudo, resgata a dignidade do pecador que já se tornara discípulo.

Seguindo Jesus como discípulo, Mateus muda de vida e rompe o círculo vicioso de pecado em que se encontrava. Ele, diferentemente dos fariseus, reconhece o senhorio de Jesus que tem misericórdia e perdoa, e exatamente por isso pode entregar a Jesus a própria vida no seguimento. Jesus (considerado “comilão e beberrão, amigo de coletores e pecadores”: 11,19), perdoando o pecador, transforma-o de pecador em discípulo. Ou melhor, a fé de Mateus, que reconhece em Jesus a manifestação da misericórdia divina, permite-lhe conquistar vida nova. O contrário dos fariseus: considerando-se justos, fecham-se em si mesmos e num culto vazio, que não espelha a fraternidade nas relações humanas.

O qualificativo “Mestre”, dirigido a Jesus pelos fariseus, encontra porém, por ironia, pleno sentido, pois para Mateus Jesus é de fato o Mestre da Justiça e pode com autoridade mandar os fariseus ir estudar (v. 13), eles que eram tão entendidos na Lei e na sua observância... Jesus pede que os fariseus estudem a passagem de Os 6,6 e aprendam dela a misericórdia querida por Deus. Os pecadores, como Mateus, é que estão doentes e necessitados de médico. Os justos estão sadios e não necessitam de médico. É por isso que Jesus vem e, quando vê, chama o pecador, para que este, na fé, transforme sua vida aderindo ao projeto de amor e misericórdia de Deus

E a grande ironia da história é que, no mundo, seguramente, não existe ninguém tão justo que não necessite de ajuda, misericórdia e amor.


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